quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A religião favorece o Amor, mas não o substitui

"Se compreendêsseis o que significa: quero misericordia e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes. Porque o Filho do Homem é o Senhor do Sabá." Mt 12:8


Jesus acreditava que a religião tinha sido feita para as pessoas, e não as pessoas para a religião. Mas, frequentemente enfrentava aqueles cuja a maneira de pensar se tornara rígida e haviam perdido de vista o objetivo da religião.No caminho do amadurecimento percebemos que as regras existem como diretrizes para facilitar o relacionamento entre as pessoas. Ele colocou a prática espiritual da misericórdia acima da do sacrifício. A misericórdia sempre leva em conta a outra pessoa, o sacrifício pode, ás vezes, ser apenas para nós mesmos.
Outro dia, durante um programa de debates na TV, onde o tema era a mentira, um interlocutor tentou armar uma armadilha de fariseu para um bispo católico, pedindo solução para a seguinte situação hipotética: "um homem armado e raivoso, disposto a matar, pergunta a você, na porta de casa, se seu filho que usa drogas está. Você sabe que ele está e que o homem está disposto a matá-lo, você diz a verdade ou mente?" O Bispo respondeu, seguro, após um breve silêncio: " a vida é um dom maior!"
A intenção de Jesus era que os rituais fossem usados para lembra-nos de Deus e para manter vivo o amor que sentimos uns pelos outros. O ritual é uma ação concreta que simboliza um realidade espiritual. Jesus acreditava que os rituais eram positivos quando usados para nos lembrar que temos um relacionamento com Deus e com os outros, mesmo em momentos em que isso é difícil. Temos tendência ao esquecimento e muitas vezes realizamos rituais de maneira puramente mecânica, esvaziando-os do conteúdo.
O Cristo sabia que precisamos de algo palpável para relembrar-nos o valor dos nossos relacionamentos.  Os rituais e as regras são ferramentas para nos lembrar de amar.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Separação Jamais Existiu




Um ano.
Talvez um momento.
Um longo espaço no peito.
Um cumprido dissabor.
Uma saudade no singular.
Só uma. Gigantesca.
Absoluta saudade.

         ***
Mas sinto também.
Que a separação jamais existiu.
O tempo é pouco. Fraco.
É incapaz de separar o amor.
O tempo é uma verdade de mentira.
Estamos todos juntos. Algemados ao todo da vida.
Agregados em Deus. Compartilhando Deus.
A cada dia estamos mais juntos.
Eu, você, todos afinal...
Caminhamos para o encontro total, integral, geral.

A morte só é poderosa contra os que não amam.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Ensaios Sobre a Pobreza - I

“Beatus qui intelligit de egeno et paupere” (SL 41,1)


Como falar de pobreza se jejuar a vida toda “à pão e água” seria para nós o máximo da austeridade, ao passo que para milhões de homens, mulheres e crianças ter o “pão e água garantidos” já seria uma espécie de sonho? O que é que causa e mantém tal situação dos pobres, senão a desenfreada procura de riqueza e de comodidade por parte de alguns? Quem está em condições de compreender realmente os pobres e abraçar a causa deles ?
Certamente não sou eu. Falar deste assunto traze-me uma impressão de hipocrisia. Por isso, aproprio-me das palavras de São Gregório Magno que disse: “ Falarei, a fim de que a espada da Palavra de Deus, passando através de mim, chegue a trespassar o coração do próximo. Falarei para que a Palavra de Deus ressoe também contra mim, por meu intermédio,”
Não falarei da pobreza sem chegar a mim mesmo. Isso seria olhar no espelho, e não, olhar-se no espelho. Vamos postar-nos juntos frente ao espelho da Palavra de Deus e ali “ cada um examine a si mesmo”. São Francisco foi a verdadeira reforma da Igreja. Ele não polemizou contra a rica Igreja Hierárquica, tão pouco quis polemizar com os hereges, que polemizavam a Igreja. Absteve-se de todo julgamento ao alheio e centralizou-o em si mesmo.

Falaremos então como quem pertence a classe dos discípulos e não com autoridade.


Discorreremos então sobre duas pobrezas. A material e a espiritual. E no âmbito de cada uma delas, outras duas. Positiva e negativa.


1 – Pobreza Material Positiva. Que liberta e eleva. A pobreza como ideal evangélico a ser cultivado.


2 – Pobreza Material Negativa. Que desumaniza e deve ser combatida. A pobreza como condição social padecida.


3 – Riqueza Espiritual Positiva. Feita de humildade e confiança em Deus. O mais belo fruto da arvore da pobreza Bíblica: A riqueza dos pobres.


4 – Riqueza Espiritual negativa. A ausência dos bens do Espírito e dos verdadeiros valores humanos: a pobreza dos ricos.


São quatro meditações sob a luz do Espírito Santo, invocado como “Veni Pater Pauperum” a acolher com júbilo a alegre mensagem transmitida aos pobres.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O Amor I - Amizade


_______________________________________________________________D.Porther


Para conhecer-nos é necessário ver-nos em um amigo. O amigo é nosso outro eu. Há amigos cujas almas se misturam e se confundem tanto com as nossas que quando nos damos conta não conseguimos encontrar mais a costura que as juntou. "A amizade é virtude ou implica em virtude", como disse Montaigne. Por vezes, certos amigos nos estendem tanto a sua amizade que desafia a moderação, transcende o amor de tal forma, que nos parece que esse amor sempre esteve conosco. É tamanha a fusão que carregam facilmente consigo nossas dores, nossos sentimentos de tristeza, nossos temores. E de repente, nada mais é seu ou meu. Vontades se misturam, toques reúnem-se, não há mais distinções. Laços diversos atam-nos para sempre. E a amizade torna-se união perfeita, sem fissuras, sem brechas, sustentáveis por si só.
A amizade é mesmo um mistério. Como pensar que é possível uma ligação assim, perfeita e completa, quando vivemos num mundo transitório e passageiro, um mundo de movimento e finitude? Cabe, nesse mundo, coinscidência tão absoluta de uma identificação tão plena? Sim,Cabe! Misteriosamente cabe! Posto que a amizade é o mais belo meio e lugar. A amizade é uma aliança, uma sociedade que fazemos pura e simplesmente por vontade própria, onde não rivalizamos, não dispersamos. Buscamos o prazer pelo significativo prazer de ser e ter amigos. A semelhança da afinidade, a convivência forte das coisas, a identidade abençoada pelo Cosmos. Tornamo-nos santos quando buscamos o amigo, nosso parente espiritual. O consolidamos como vínculo de sangue. E damos qualidade e forma a esse convívio intenso e tatuado para sempre em nossas vidas. Queremos o amigo por ele mesmo, por ele ser quem é e o que é, simplesmente.
Assim é o amor e a amizade que me une a meu pai. Porque procedendo dele sou o seu outro, o outro ele mesmo. Só por isso pude descobrir quem eu era no dia que perdi meu pai. Ao vê-lo, sem vida, entendi quem eu era. Aquele momento foi de mudança e movimento. Percebi a multiplicidade tênue e inconstante da própria vida, no meu espaço e no meu tempo. Percebi a jornada que desejava pra mim. Meu pai, ali naquele instante, foi o espelho onde identifiquei-me. Nítido, refletiu, sem sombras, o mais verdadeiro de mim. Um tempo que não sei contar porque foi muito tempo. E senti, cruelmente, o momento - esse que deparei-me privado do amigo mais caro e mais íntimo. Aquele do laço consaguíneo, aquele da costura sem emendas, transcedente, sem fissuras e brechas, o amigo perfeito e completo. Esse amigo que olhei para nele reconhecer-me. Minha solda fraterna. Clarificados, tornaram-se ali meus conflitos, meus laços, minhas experiências.
Minha imagem agora se sustenta de tal forma, que a leveza vive a me rondar, posto que, saber-se torna tudo tão mais original, compreensível e sólido, tal qual a solidez de ter sido forjado dentro do corpo frágil de meu pai. O medo perde a importância, a obediência tem outro valor, o redor, que temporariamente me pareceu estranho, retorna familiarmente em seu momento original. A floresta que naqueles dias era tão fria e distante, tão apagada, reencontra-se comigo trazendo uma infinita paz com seus coloridos e seus sons de amanhecer. Sinto-me melhor. Entendi que a vida não precisa ser entendida, precisa ser apreciada e aceita. A inquietude terminou; aprendi o que é separação, vida; aprendi que preciso aprender a viver e sobretudo a morrer. Porque agora sei para onde se encaminham os meus conhecimentos, os meus desejos, o meu mistério.
Assim tornei-me diferente para ser exatamente como sou, dentro de mim: igual. Tornei-me mais tolerante, mais generoso, cuidadoso com a razão e aberto a emoção. Vivo um dia por vez, um dia a cada dia, conhecendo o elemento singular do que é viver, existencialmente. Hoje, dedico boa parte dos meu tempo a escrever, para consagrar também a lembrança, a lembrança de um mútuo amor, um amor amigo, em nome desse laço que aponta-me a verdade e a vontade determinada, que aponta-me uma incrível força. Força que transporta-me para além de tudo que eu possa dizer e ser.

sábado, 25 de abril de 2009

A Esperança - I


"Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua Justiça e todas as coisas lhe serão dadas em acréscimo" Mt 6, 36

"Não somos completamente livres enquanto não vivemos de pura esperança." Thomas Merton

A esperança é proporcional ao nosso desapego. Caminhamos para a verdadeira liberdade quando nos soltamos das amarras que nos prendem as coisas deste mundo, as pessoas e a nós mesmos. Quanto mais confio à Deus o meu futuro, mais encontro a paz, que é sempre presente. Melhor enxergo a realidade, vislumbro as coisas e as pessoas como elas são exatamente. Só assim poderei passar pelas coisas e amar as pessoas.

Quando não possuo fico livre para amar sem esperar algo em troca. Se a minha mão esquerda não sabe o bem que a direita fez, se creio e espero firmemente, então, coloco-me abertamente a disposição de Deus e todas as coisas necessárias a minha vida me serão acrescentadas.

Quando a esperança prospera em nossa vida entramos cada vez mais na eternidade e o Reino de Deus vai surgindo, despontando, envolvendo. Por isso a felicidade dos que esperam em Deus não pode ser uma conquista absoluta. Ela é uma caminhada para a luz. É a conquista do sempre dentro do tempo.

Na esperança não existe perda. Ao abrirmos mãos de tudo, da forma a qual o mundo nos impõe, recebemos este tudo de volta como realmente ele é. E embalado em graça, coberto de paz e com a única função de ser instrumento na Obra de Deus. E tudo fica claro, transparente e certo.

Santo Agostinho só passou a entender quando deixou de questionar e entregou. Não podemos entender sem crer, amar e ter esperança. O entendimento não vem com o raciocínio lógico, mas com a abertura provocada pela esperança. Isso é que Jesus quis disser ao falar que revelará a verdade aos pequeninos e esconderá dos sábios e doutores. Porque ser pequeno é ser desapegado. Ser simples é confiar. Ser pobre é viver pela esperança. Por isso o Reino é das crianças. Se não formos como elas, que confiam plenamente no pai, pegam na sua mão e seguem seguras, ficaremos travados e bloqueados em nossa busca da lógica através das limitações humanas.